(extraído da homilia do seu funeral)
Queridos irmãos,
especialmente queridos Teresa e Luciano, André e Ilisabete, Marcos e Raquel, sobrinhas, sobrinhos, tias, tios, primos, parentes e amigos do P. Tiago,
Estamos reunidos para celebrar a partida do P. Tiago para o céu, a sua própria ressurreição após uma vida muito fecunda e especial, como padre e pastor.
O P. Tiago nasceu e cresceu à sombra deste Santuário, sob o olhar materno de Maria, que hoje o acolhe nos seus braços como seu filho sacerdote, o Cristo Vivo, para o apresentar ao Pai do Céu.
A imagem que nos acompanha na primeira leitura é a de Isaías 25, 6-9, que nos fala do monte onde o Senhor nos preparará um banquete de suculentas iguarias para celebrar a nossa vitória sobre a morte. Ele limpará as lágrimas de todos os rostos e fará desaparecer de toda a terra a censura que pesa sobre as pessoas. Encontrar-nos-emos cara a cara com Deus nosso Pai, em quem sempre confiámos para a nossa salvação, e regozijar-nos-emos porque Ele nos salvou verdadeiramente e nos libertou de toda a iniquidade. Neste monte reinará a alegria e será celebrada uma festa de salvação.
Estamos perante uma bela imagem do Paraíso que tem muito a ver com o P. Tiago e com o nosso ideal de comunidade sacerdotal, o Monte Santo, Sion, que recebemos do nosso Fundador, o Padre José Kentenich.
Tenho a certeza que esta imagem do céu é uma imagem que o P. Tiago gostava muito, porque se identificava muito com este Monte Santo, que é Sião, onde se experimenta permanentemente a alegria da salvação expressa na celebração de um banquete de suculentas iguarias.
O P. Tiago amou a nossa comunidade de Padres de Schoenstatt e desde o primeiro momento abraçou o ideal do Monte Sion. Isto refletiu-se no seu amor e cuidado pelos seus irmãos, que se traduzia nos mais pequenos pormenores. Ele tinha uma dedicação especial às gerações mais jovens da nossa comunidade, que apoiava com grande generosidade. Era o nosso chefe de curso desde há quatro anos, e estava entusiasmado com a ideia de nos reunir a todos, num encontro de curso, no santuário de Nossa Senhora de Fátima.
Nestes últimos meses da sua doença, pudemos ter vários momentos bonitos de comunidade à volta da mesa, partilhando algumas das suculentas iguarias de que o P. Tiago gostava. Percebia-se que ele gostava muito destes encontros, pela alegria de celebrar à volta da mesa e pela alegria de estarmos juntos em comunidade.
Não há dúvida de que podemos dizer que, nestes últimos meses, temos vivido muitos momentos do céu com o P. Tiago que se assemelham a esta imagem do monte santo de Isaías.
Nesse dia será dito: "Este é o nosso Deus, nele confiámos e Ele nos salva. Este é o Senhor em quem confiámos. Congratulemo-nos e rejubilemos com a sua salvação" (Is 25,9).
A segunda imagem que a Palavra de Deus nos apresenta, é a imagem do Bom Pastor. Em Jo 10,11-18 vemos a imagem do Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas: "Eu sou o bom pastor, conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me, assim como o Pai me conhece e Eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas" (Jo 10,15-16).
E no Salmo 22 meditamos sobre a antífona: "O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará".
Podemos dizer que o P. Tiago era um PASTOR com todas as suas letras, porque com a sua forma simples, alegre e cativante de ser, encarnava o ideal do Bom Pastor. Este é o ideal do nosso curso, ser um pentecostes do Pastor, uma manifestação do Pastor neste mundo que precisa de pastores bons e dedicados. Isto mesmo reflete-se na nossa estola de curso, com a imagem de um pastor que guia e cuida do seu rebanho de ovelhas e, a uma em particular, a mais frágil, orienta-a com carinho, expressando o seu apoio, o seu afeto, elevando a sua dignidade.
O P. Tiago, de uma forma silenciosa e simples foi um Bom Pastor jovem e dos jovens, a quem entregou o seu coração, principalmente à Juventude Masculina de Schoenstatt, mas também a muitas pessoas que ele levou no seu coração. Tinha um grande coração que não se limitava a um pequeno grupo. Ele era muito transversal e tinha amigos muito diversos e de ambientes muito diferentes.
Gostaria de me deter nesta imagem do Bom Pastor, para me referir a algumas características deste jovem Bom Pastor, que foi o Padre Tiago.
Em primeiro lugar, gostava de falar sobre o coração de pastor do P. Tiago.
Esta doença muito dura por que passou, estava a deteriorar o seu cérebro, mas o seu coração permaneceu intacto. Por vezes, o P. Tiago tinha de fazer ressonâncias ao cérebro para ver como estava o tumor. Fiquei a pensar nesta imagem aplicada ao seu coração. Se pudéssemos tirar uma fotografia do seu coração, para ver o que estava dentro, veríamos certamente muitas pessoas que ele amava e muitas coisas bonitas que ele contemplava e pelas quais se apaixonava. O P. Tiago tinha um enorme coração de Pastor onde habitavam muitas pessoas.
Nesse coração de Pastor estava MARIA. Desde criança, teve sempre uma ligação especial com a Mãe no Santuário e refletiu-a de uma forma muito concreta com os seus gestos de amor por Maria, como rezar o terço, que ele tanto gostava. Quando terminou o seu noviciado e fizemos a nossa primeira consagração em comunidade, o P. Tiago quis completar o seu nome e passar a ser chamado de TIAGO MARIA.
Ele também gostava muito de ir a Fátima. Era um dos seus lugares preferidos, onde ia simplesmente para estar com Maria e confiar-lhe algumas das suas preocupações. O seu amor por Maria também se reflete muito na imagem da Imaculada Conceição, que sempre o identificou ao ponto de a escolher como símbolo para a sua estola de sacerdote.
Como filho sacerdotal de Maria, tinha um vínculo especial com a Eucaristia que lhe dava força e orientação nestes tempos em que esteve doente. Gostava de rezar o terço e quando lhe faltavam as forças, admitiu-me que rezar o terço e celebrar missa, era o que sustentava a sua vida espiritual.
No coração do P. Tiago estava sem dúvida a sua FAMÍLIA, os seus pais, irmãos e cunhadas, sobrinhas e sobrinhos, tias e tios, primos, que ele amava muito e a quem gostava de surpreender e de dar alguma alegria. Ficou profundamente grato aos seus pais, Teresa e Luciano, pela educação que lhe deram, especialmente a fé e Schoenstatt. Durante este último tempo, falou-me bastante dos seus pais com grande orgulho, pela possibilidade que lhe deram, não sem algum sacrifício, de estudar no Colégio dos Padres Jesuítas, que é um dos melhores colégios de Lisboa. Também amava os seus sobrinhos e sobrinhas, de quem cuidava e ajudava.
No coração do P. Tiago havia também muitos AMIGOS de diferentes estilos de vida aos quais ele se dedicou muito fielmente. Era muito transversal nos seus vínculos e não procurava apenas um tipo de pessoas. Era um amigo fiel que não acumulava ressentimentos. Sei quantas mensagens de apoio recebeu durante a sua doença e como foi difícil para ele não poder responder. Muito obrigado a todos vós que o apoiaram com as vossas mensagens e orações.
O P. Tiago era um apaixonado por SCHOENSTATT e pelo PADRE KENTENICH. Vibrava com todo o “mundo” de Schoenstatt e com a comunidade dos Padres de Schoenstatt. Dedicou sempre um grande empenho nos projetos que a comunidade lhe confiou e especialmente, durante este último tempo, tinha um desejo muito forte em dar apoio aos padres jovens, para que se sentissem acompanhados na sua missão com a Juventude de Schoenstatt.
No seu coração, estava também a JUVENTUDE MASCULINA DE SCHOENSTATT, a quem entregou todos os seus anos de padre, especialmente aos Cruzados e aos Pioneiros a quem dedicou tantas reuniões, encontros, viagens, peregrinações e acampamentos. Podemos reconhecer com orgulho que o P. Tiago foi um verdadeiro educador de jovens ao estilo do P. Kentenich, com todas as gerações de rapazes que acompanhou.
Conta um antigo cruzado, que uma vez perdeu o seu brasão e teve de esperar na fila para que a Corte de Honra lhe desse um novo propósito para o reconquistar. Nunca mais se esqueceu quando viu aparecer o P. Tiago na fila, ao seu lado, porque também tinha perdido o seu brasão. Não se esqueceu de ver o P. Tiago ao mesmo nível que ele, também a querer reconquistar o brasão. O P. Tiago educava pelo exemplo.
Também se dedicou com alma, vida e coração ao Colégio de Santa Maria e deixou um enorme legado espiritual em todo o Colégio.
Como bom português trazia no seu coração o MAR DE PORTUGAL e toda a cultura portuguesa, mostrando sempre um enorme gosto pela língua portuguesa e a sua poesia. Também defendia e gostava da gastronomia portuguesa. Sempre se caracterizou por ser um homem de amplos horizontes e uma grande alma. Não foi em vão que este foi um dos seus poemas preferidos:
Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu. (Fernando Pessoa)
Este coração de Pastor estava cheio de BELEZA e é por isso que o P. Tiago gostava da natureza e de contemplar um belo pôr-do-sol no mar ou, um belo quadro pintado com delicadeza. Adorava a fotografia porque via nela um instrumento privilegiado para imortalizar cores, paisagens e bonitas imagens que nos falam da beleza da criação de Deus e da vida eterna.
Este Pastor jovem com uma grande alma que foi o Padre Tiago, tinha muitas capacidades de um bom pastor para cuidar dos seus. Tinha uma grande consciência de que o seu sacerdócio era um serviço desinteressado aos outros sem esperar nada em troca. E com todas as suas capacidades, dedicou-se a cuidar daqueles que Deus lhe confiou, colocando todas as suas capacidades ao serviço dos outros:
- Uma das principais caraterísticas do P. Tiago era a sua generosidade. Era uma pessoa altruísta que dava tudo pelos seus. Tal como o Padre Kentenich, gostava de dar presentes a todos. Era a sua forma de cuidar das pessoas e de expressar o seu afeto por elas. Estava muito atento ao que podia dar alegria a cada pessoa e não hesitava em surpreendê-las. Há muitos testemunhos de pessoas que receberam um presente pessoal do P. Tiago. Sobretudo os seus sobrinhos e sobrinhas, podem dizer que o seu tio Tiago sempre lhes deu bons presentes. Foi também muito generoso com o seu tempo, não poupando no “tempo necessário” para ajudar os outros, para lhes ensinar alguma coisa ou para partilhar uma boa conversa.
- Outra caraterística típica do P. Tiago, era a sua delicadeza mariana e bondade. Era muito delicado e amável na sua relação com as pessoas, especialmente com as crianças e as pessoas mais frágeis. Recentemente, recebeu uma carta de uma pessoa casada que confessou que o encontro com ele quando era criança o tinha marcado para toda a vida, pela forma como o tratou bem.
- O P. Tiago era também uma pessoa muito alegre e tinha uma forma de educar e acompanhar os jovens através da alegria. O seu sorriso, tão autêntico e natural, e o seu olhar transparente falavam-nos do céu. Como disse o P. Alberto Eronti, o padre que o batizou, nada podia amortecer o seu sorriso, a expressão de uma alegria que brotava da sua alma. Ele tinha muito humor e é admirável que nunca tenha perdido a sua alegria durante a sua doença.
- Este Pastor jovem que era o P. Tiago, nunca deixou de ser uma criança. Uma das suas caraterísticas fundamentais foi a de ser uma criança que confiava nos braços de Deus Pai. Sentia-se sempre pequeno e simples. Ele era muito ingénuo e muito genuíno. Tudo nele era autêntico e irradiava nobreza e pureza. Tinha um coração nobre no qual não havia lugar para duplicidade. É por isso que se identificou tanto com os pastorinhos de Fátima, porque também se sentia como um desses pastorinhos nos braços de Maria. O seu caminho foi sempre o da pequenez e da filialidade para passar despercebido e como Santa Terezinha, para se colocar com a confiança de uma criança nos braços do Pai.
- A firmeza e coragem com que o P. Tiago enfrentou esta doença é muito marcante. Em nenhum momento perdeu o ânimo nem dramatizou. Foi capaz de fazer piadas sobre a sua própria doença. Foi impressionante a coragem com que enfrentou esta batalha contra o cancro sem perguntas nem queixas, mostrando-se sempre agradecido pelos cuidados que lhe foram prestados, tanto médicos como pessoais. Era um homem com uma fé profunda na vontade de Deus e por isso permaneceu sempre sereno e calmo face à doença.
Temos na figura do Padre Tiago um grande Pastor como Cristo Bom Pastor, que deu a vida pelos seus, porque se entregou de alma, vida e coração com a sua simplicidade e alegria, seguindo sempre a sua estrela que é Maria. Não é por isso de estranhar, que esta seja a sua oração preferida do Rumo ao Céu:
Avé Maria
por tua pureza
conserva puro o meu corpo e a minha alma,
abre-me o teu coração e o coração do teu Filho.
Obtém-me um profundo conhecimento de mim mesmo
e a graça da perseverança e fidelidade até à morte.
Dá-me almas e tudo o mais toma-o para ti.
Ámen
(JK Rumo ao céu nº626.)
Padre Juan Barbudo Sepúlveda
Lisboa, Janeiro de 2021