"Amou tanto a pobreza que se tivesse encontrado um anjo e um pobre, teria deixado o anjo e abraçado o pobre" (Extraído de um poema de Lopez Vega) João Cidade nasceu em Montemor-o-Novo em 1495. Vivia-se nessa época a descoberta de novos mundos, pelos portugueses. Um dia, aos 8 anos, João Cidade foi para Oropesa, em Espanha, em circunstâncias pouco claras, provavelmente na companhia de um clérigo ou de um peregrino. Em Oropesa foi acolhido por um senhor, dono de uma grande propriedade, onde trabalhou como pastor até aos 27 anos. Em 1523 parte para se alistar na vida militar. Participa na guerra contra os Franceses em Fuenterrabia e em 1532 em Viena contra os Turcos. A sua vivência é muito distante da santidade. É importante referir que João Cidade tinha um carácter muito impulsivo e determinado. Tinha um grande desejo de liberdade, característica que o levou por uma vida errante, que se veio a transformar na verdadeira liberdade, que é a liberdade interior, que nos permite agir de acordo com os nossos princípios, libertos das amarras que nos são colocadas pelos olhares exteriores. Terminada a guerra, decide regressar a Portugal para procurar os seus pais e descobre que ambos já morreram. A mãe morreu de desgosto 20 dias depois do seu desaparecimento, aos 8 anos e o pai terminou os seus dias num convento Franciscano. Regressou a Espanha, de onde partiu para Ceuta, onde trabalhou para uma família de um Português desterrado. Para ajudar esta família que vivia na miséria, deixando-se envolver por uma intensa caridade, trabalhou na construção das muralhas da cidade. Procurou orientação espiritual de um padre, que o aconselhou à leitura do Evangelho e de vários livros piedosos. Voltou a Espanha em 1538. Ficou algum tempo em Gibraltar, onde mergulha na leitura de livros de espiritualidade. Gasta todas as poupanças comprando livros para si mesmo e para os outros, andando pelos lugarejos vendendo livros aos literatos e imagens aos analfabetos e às crianças. Segundo a lenda, apareceu-lhe então um menino com uma romã (que significa granada em castelhano) na mão, dizendo-lhe: “João, Granada será a tua cruz.”. João Cidade vai para Granada, onde chegou a abrir uma pequena livraria, aos 43 anos de idade. Estando João Cidade numa fase mais estável da sua vida, a 20 de Janeiro de 1539 ouve uma pregação de São João de Àvila. As suas palavras sobre o pecado e o arrependimento levam-no a viver um verdadeiro flashback: passam-lhe diante dos olhos imagens e lembranças de uma vida desordenada, os pecados cometidos desde os anos da sua juventude e toma uma atitude radical contra a hipocrisia da sociedade de Granada naquela época: do meio do povo põe-se a gritar - "Misericórdia, meu Deus Misericórdia!". Considerado louco é internado num hospício, no Hospital Real, sendo-lhe aplicado o tratamento da época para este tipo de doentes: chicotadas diárias. Durante essa vivência, até ser dado como curado, apercebe-se da miséria humana, da necessidade de ajudar os mais pobres de entre os pobres, os incapazes, os estropiados e decide pôr mãos à obra, começando por alugar uma pequena casa e recolhendo da rua, por vezes carregando às costas, todos os inválidos e esfomeados que encontrava. Tendo como director espiritual S. João de Ávila, sonhava fundar um hospital onde pudesse tratar com dignidade os que mais sofrem. Percorria as ruas de Granada pedindo para os pobres e doentes que recolhia e de quem cuidava, pregando: “Irmãos, fazei o bem a vós mesmos, dando aos pobres!”. Para pagar as contas, recolhia lenha durante a noite. Para a alimentação trazia o peixe desperdiçado na peixaria, tendo aprendido sozinho a fazer sopas para os famintos. A fama do seu trabalho espalhou-se e conseguiu ajudas, transformando a pequena casa num hospital, cuja organização e metodologia eram muito invoradas para a época, separando as pessoas por doenças, dando uma cama a cada doente, tratando das feridas do corpo e da alma, com amor, restituindo-lhes a sua dignidade. “Através dos corpos, [queria] chegar às almas". Muitos episódios há para contar sobre esta vida tão cheia da graça de Deus. João de Deus é o nome que lhe foi atribuído por um importante prelado de Granada, tendo João Cidade aceitado dizendo: “Sim, se Deus assim gostar.” A certa altura, um Conde decidiu ajudá-lo, dando-lhe dinheiro para as despesas. João de Deus era tão bom e de tal forma confiante na Providência Divina que vivia sempre o momento presente, certo de que Deus cuidaria de o ajudar no amanhã. Assim, sempre que recebia os donativos gastava-os com os pobres que encontrava, chegando ao hospital já sem dinheiro. Este Conde, apercebendo-se da bondade impetuosa de João de Deus, passou a ajudá-lo não com dinheiro, mas dando-lhe crédito para cobrir necessidades. Quando em Granada o grande Hospital Real foi destruído por um incêndio, em 1549, João de Deus, vendo todos a olhar para o fogo, atira-se lá para dentro para salvar os doentes. Terminada a tarefa, ainda salvou as mantas e cobertores, atirando-as pelas janelas, porque muita falta faziam aos pobres! Toda a cidade lhe prestou reconhecimento, apelidando-o como “o Santo de Granada”. No início de 1550, ao tentar salvar uma criança de se afogar nas águas geladas do rio Genil, João de Deus atirou-se à água. A criança acabou por morrer e João de Deus apanha uma broncopneumonia. Adoece gravemente: uma senhora nobre, sua benfeitora, obtém do arcebispo permissão para o levar para o seu palácio. Aceitando a decisão, dizia: “Deus sabe, meus irmãos, quanto eu desejaria morrer perto de vocês, mas desde que Ele quer que eu morra sem vos poder ver, seja feita a sua vontade.”. Ao amanhecer do dia 8 de Março quando ao redor da sua cama se viu sem ninguém, saiu da cama confortável demais, ajoelhou-se no chão e, apertando contra o peito o crucifixo, morreu. Era o dia em que completava 55 anos. Encontraram-no assim, morto há já algum tempo, mas ainda de joelhos. Pela sua inovação, total entrega a Deus no cuidado aos que mais sofrem e pelos seus actos heróicos, João de Deus é considerado como o fundador do hospital moderno, é proclamado Santo e protector dos doentes, dos bombeiros e dos enfermeiros. Os que o acompanharam fundaram a Ordem Hospitaleira de São João de Deus, que ainda hoje em Portugal e um pouco por todo o mundo dedica a sua obra ao cuidado dos mais pobres e doentes. Termina-se com um excerto de uma carta escrita por São João de Deus: “Maldito o homem que confia nos homens e não em Cristo somente; porque dos homens hás-de ser separado, queiras ou não queiras; mas Cristo é fiel e permanece para sempre, Cristo tudo provê. A Ele se dêem graças para sempre. Ámen.” Rita Fontoura |
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